Célio Zangalli Neto

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Androide zumbi capítulo 7

Espaguete e Vinho

Ao cair da noite, Lena estava pronta. Enquanto Shirley preparava seus cabelos cacheados e maquiagem, Sharley trouxe a roupa perfeita para a ocasião. Um lindo vestido verde que ficava justo em boa parte de seu corpo e várias joias que, quando combinadas, davam o visual simples e refinado.

Quando Rylan se aproximou montado em sua moto, Lena constatou que também estava muito elegante. Nem parecia um mundo distópico, a não ser por serem as únicas pessoas ali.

— Gostou? — disse ela assim que a moto parou ao seu lado.

— Sim. Você está linda — disse Rylan boquiaberto.

— Só achei que o colar é muito extravagante, mas Sharley fez questão de que eu o usasse, falou que dá mais destaque ao decote.

— Concordo com Sharley, quero dizer, você está incrível.

Uma troca de olhares e sorrisos.

— Vamos? — disse Lena, trazendo-o de volta de seus pensamentos.

— Vamos.

Parado em sua moto, parecia que ele esperava que ela subisse.

— Eu não vou levantar o vestido nem sentar de lado na garupa, me acompanha? O restaurante é logo ali.

— Oh, certo, desculpe. Onde eu estava com a cabeça — disse ainda abobalhado.

Desligou a moto e a deixou lá. Lena aproximou-se dele, vendo que Rylan estava sem graça e com o rosto vermelho, entrelaçou o braço com ele. Seguiram para o restaurante, enquanto caminhavam, ela sorria.

Ao chegarem, sentaram-se na mesa com a melhor vista para o lago. Uma janela de vidro enorme permitia que a brisa da noite entrasse por ela. Tudo era lindo, o forro, os talheres, os pratos, parecia um sonho. O androide garçom aproximou-se.

— Com licença, quero pedir perdão, pois estamos sem nenhum prato do catálogo das carnes. Aqui está o cardápio — disse o garçom, entregando o menu.

Ela conferia os pratos disponíveis enquanto Rylan a olhava.

— A parte de vinho está funcionando? — perguntou Lena.

— Sim.

— Gostaria do melhor vinho tinto do cardápio para acompanhar um espaguete à bolonhesa — disse Lena.

— E o cavalheiro?

— Um espaguete e um refrigerante de cola.

— A bebida vem agora ou acompanha a refeição?

— Agora — disse Lena.

Rylan não tinha a menor intenção de discordar.

Outro androide trouxe as bebidas em um carrinho, o vinho foi aberto com um saca-rolha e servido com maestria em uma taça de cristal. O refrigerante também, mas sem o charme exigido pelo vinho, foi servido em um copo de vidro.

— Voltaremos em breve com a refeição.

Ambos os androides se retiraram. Rylan ainda se sentia embasbacado, enquanto olhava para Lena.

— Me encarando desse jeito, vai me deixar sem graça — disse ela girando o vinho em sua taça e apreciando seu aroma.

Um gole sutil da bebida.

— Essa doze que você carrega para todo lado me deixa apreensiva. Posso? — disse Lena, fazendo menção que a tocaria.

— Claro.

Após colocá-la ao seu lado e fora do alcance dele, Lena se sentiu mais segura.

— Lembra que você disse antes de sair do salão para elas obedecerem minhas ordens?

— Sim.

— O lado bom é que elas me obedeceram. O lado ruim, para você, é que me contaram o preço de tudo. Disseram que não havia como saber o valor do jantar, mas me passaram o preço do cabelo, da roupa e das joias. De onde vem tanto dinheiro? Quem é você? Seja sincero.

Rylan sorriu.

— Vou dividir a resposta em duas, primeiro direi quem sou, depois de onde veio o dinheiro.

Lena concordou, olhando nos olhos dele e fazendo uma leve movimentação com a cabeça.

— Não tenho um passado nobre, nunca fui acadêmico ou algo parecido. Eu fazia manutenção de máquinas e androides. Talvez seja uma das classes mais menosprezadas da sociedade, um dos menores salários e reconhecimento.

— E de onde veio tanto dinheiro?

Rylan imitou sua companheira. Rodou o refrigerante no copo, apreciou o aroma e bebeu um gole. Lena riu daquela bobajada.

— Quando tudo aconteceu, eu estava em uma delegacia do distrito sul. Um dos meus melhores amigos era delegado e me protegeu. Vi horrores indescritíveis, os androides militares estavam armados quando foram infectados, acho que fui o único sobrevivente. Na doze que carrego, que está em sua posse nesse momento, tem o número de identificação ao lado do símbolo da polícia na coronha.

— Ainda não respondeu sobre o dinheiro — disse Lena verificando a coronha da arma, em uma chapa de metal havia a numeração e um escrito em alto-relevo “Distrito sul”.

— Depois do massacre, eu faço isso que você acompanha. Procuro outros sobreviventes, registro os locais contaminados e não afetados. Ainda existem linhas de suprimentos operantes, como a energia elétrica desse bairro. E nas horas vagas estudo sobre as causas da infecção e como revertê-la. Quanto ao dinheiro, peguei das pessoas mortas, sei que não é correto, mas isso me ajudou a sobreviver e contribuir com os outros.

O garçom empurrava o carrinho. Sobre ele, uma bandeja com dois pratos cheios de espaguete.

— Por que a androide doutora obedeceu seu comando no hospital?

— Eu fazia manutenção naquele hospital.

— E as androides do salão?

— Eu as vendi e fiz a instalação delas. Olha, nunca fui importante, mas estive em muitos lugares. Meu trabalho era consertar coisas que ninguém notava até pararem de funcionar. Ironia do destino, não? Passei a vida inteira garantindo que essas máquinas nos ajudassem, mas no fim, elas quase destruíram tudo.

O carrinho com as refeições parou ao lado da mesa. O garçom serviu os espaguetes em silêncio.

Lena encheu a segunda taça de vinho.

— Caso tenha algum pedido, estou à disposição — disse o garçom.

— Obrigado — disse Rylan.

Enquanto o androide saía, Lena pensava a respeito das respostas. Seria hipocrisia não reconhecer a ajuda dele.

— Quando tinha a idade da Valentina, achava que a humanidade avançava para seu apogeu. Dediquei boa parte da minha vida à computação, acreditava que seríamos poupados do serviço braçal e teríamos vidas mais confortáveis, mas não foi o que aconteceu.

Rylan concordou, mas estava ocupado demais, mastigando o espaguete para falar algo. Lena terminou a segunda, e serviu a terceira taça de vinho.

Com todos os pesares, ela puxou o prato e começou a comer. Aquela era, sem dúvida, a melhor refeição que Lena já provou em sua vida. O sabor do espaguete, combinado com o luar refletido no lago, dava um tom mágico para o momento. O vinho tinha um papel importante naquele feitiço.

Comeram em silêncio, degustando cada pedaço, ao terminar trocaram olhares.

— Sempre achei que a tecnologia traria prosperidade, realizaria nossos sonhos, mas acho que ninguém nunca se perguntou qual seria o preço — disse Rylan.

Lena não estava mais interessada nesses assuntos, bebia vinho e olhava para o lago. Era incrível a diferença das estrelas naquele momento e as de suas lembranças. Uma estrela-cadente cruzou o céu. Como uma menina inocente, ela fechou os olhos e fez um pedido. Bebeu mais uma golada do vinho.

— Tem algum lugar por perto que tenha uma cama? — perguntou Lena.

— Sim, tem uma loja de móveis no edifício ao lado.

Lena virou o resto da taça e a colocou vazia sobre a mesa. Levantou com dificuldade, segurava a doze com a mão esquerda e pegou o braço de Rylan com a mão direita.

— Me leve na loja.

— O que quer fazer?

— Aproveitar melhor esta noite ao seu lado — disse Lena sorrindo.

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