Célio Zangalli Neto

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Androide zumbi capítulo 4

Sopa de Batata

O caminho para o galpão foi tranquilo, não houve imprevistos ou desvios. Ao entrarem, o cheiro da sopa de batata espalhou-se por toda parte.

— Tudo bem usar a mesa de centro para o jantar? — perguntou Rylan.

— Claro.

Ele estava animado, os objetos foram jogados para o lado, às vezes usava os pés para abrir espaço.

— Pode se sentar, vou trazer a sopa — disse Rylan entrando na cozinha.

— Achei que Morgan nos serviria.

— Às vinte horas ele entra em hibernação, somos muito rígidos quanto à economia de bateria. Amanhã, ele me dará uma bronca por chegar tarde.

— Desculpe tirar você de casa até tarde.

— Nada de desculpa, foi incrível conhecer a Valentina. Agora tenho uma lista de remédios e utensílios clínicos para buscar.

Após pôr a sopa na mesa improvisada, Rylan buscou os pratos com os talheres. Primeiro serviu Lena e depois a si.

— Agora me diga, de onde vieram todas essas informações?

Rylan estava soprando a comida para não queimar a língua.

— Foram pequenas adições feitas por pessoas que conheci. Do mesmo jeito que adicionamos o seu alojamento hoje, outros companheiros que já partiram também anotaram informações. Aos poucos, progrido com os dados.

A colher de Lena mexia na sopa, apesar do cheiro maravilhoso, estava sem apetite.

— Posso fazer algo para te confortar? — perguntou Rylan, vendo-a triste.

— Não, acho que em um dia como esse nada poderia me confortar.

— Entendo, são os seus amigos? Vocês estavam em quantos?

— Cinco, eu não sei o que aconteceu. Seria um dia de coleta banal, nunca tivemos problemas naquele shopping. Algo deu errado e foi como se meu mundo virasse de ponta cabeça, — disse Lena, segurando as lágrimas.

— Quando penso naqueles que já foram, imagino que estão me acompanhando. O mais cruel desses tempos de desordem é constatar a efemeridade da vida. Ao mesmo tempo que é terrível, também me mostra como é gracioso cada momento.

Pensativa, engoliu o choro, não podia desabar naquele momento, pessoas dependiam dos esforços deles.

— O que você fazia no shopping hoje? — ela questionou.

— Fui pegar batata, por que não paramos o interrogatório para provar o jantar? — perguntou Rylan apontando para o prato.

Os pensamentos de Lena conflitavam. Tentando se acalmar, mergulhou a colher na sopa. Apesar de estarem há algum tempo ali, ela continuava quente. Assim como Rylan, ao aproximar o talher dos lábios, começou a soprar.

Com mais calma, Lena olhou para o rosto daquele que salvou sua vida. Desarrumado e meio sujo, justificável naquela situação. Apesar de tudo, achou os traços de seu rosto belo, queixo largo e barba por fazer davam a ele uma harmonia pós-apocalíptica charmosa.

Após provar, ela não teve dúvida. Aquela era a melhor refeição que comeu desde quando toda a confusão começou. Ao lembrar dos pratos que sua mãe preparava, algumas lágrimas escorreram pelo rosto. Com as mangas, elas foram limpas na tentativa de escondê-las.

— Que isso fique só entre nós. Se Morgan souber que você chorou ao provar a sopa, ele vai dizer que é o melhor cozinheiro do mundo. Um androide com ego inflado seria um desastre, você me entende, né? — brincou Rylan.

Apesar de tudo, Lena deu um sorriso tímido.

— Problemas com as máquinas é a última coisa que queremos — brincou Lena.

Comeram em silêncio. Ela desfrutou daquele momento sereno, apesar da tristeza que sentia.

— Onde é o hospital que vamos buscar os pedidos da lista? — perguntou Lena, olhando para o mapa após a refeição.

Rylan levantou e apontou com o dedo para o local no mapa, a reação dela foi de espanto. O edifício estava riscado com a caneta vermelha.

— Se me lembro bem, as anotações em vermelho são lugares de difícil acesso? — questionou Lena.

— Exato.

— E como você vai coletar o pedido?

— Vou te dar cobertura enquanto você recolhe tudo que está anotado na lista.

Lena engoliu em seco.

— Não conhece outro lugar que tenha os utensílios?

— Na verdade, conheço, mas esse hospital é o melhor local para pegar. Não temos tantas áreas disponíveis para escolher, é raro um lugar onde não precisamos lidar com robôs armados.

Lena se levantou. De frente ao mapa, ela procurava algum ponto que poderia ter equipamentos médicos com anotações em azul. Apesar de não ter achado, algo peculiar chamou sua atenção. Um bairro que desconhecia, um quadrado de seis quarteirões por seis riscados de azul.

— O que é esse lugar? Não tem hospitais aqui?

— Não, é um bairro de luxo. A construção maior é um restaurante em frente a um lago. Essa área não foi contaminada e continua funcionando, a maioria dos pratos está indisponível, mas tem uma grande variedade de massa como espaguetes e lasanhas.

Preocupada por saber que iriam a um local perigoso, o silêncio perdurou até o momento de se tornar incômodo para ambos.

— Sabe o que eu não entendo? Antes de tudo, eu trabalhava com androides. Por algum motivo, sem explicação, essa catástrofe aconteceu — desabafou Lena, amargurada.

— O que você fazia?

— Dava aulas na universidade sobre anatomia de androides, acreditava que estava auxiliando no progresso da sociedade.

— Qual a sua formação na área da robótica?

— Doutorei em programação de robôs. Nos dias de hoje, eu não sei se esse título tem algum valor.

— Eu também não sei, mas acho que você vai gostar dos meus experimentos.

Lena olhava para ele com atenção.

— Estou usando esses androides espalhados pelo chão para entender o que está acontecendo. Confesso que não tive muitos progressos, mas sinto que estou no caminho. Quem sabe um dia consiga reverter esse desastre.

— Posso ver sua pesquisa?

— Hoje não, quando voltarmos teremos o tempo necessário para isso. Você teve emoções demais para uma noite.

Rylan estava certo, o cansaço e a preocupação comprometeriam sua análise. Ele a levou para um cômodo simples, mas aconchegante. Era como um quarto, ao lado, uma porta que levava a um banheiro. Um cômodo só para ela, em outra circunstância, seria normal, mas naquele momento soava como luxo. Após aproveitar o banheiro, foi dormir. Seu último pensamento foi o sorriso da Valentina.

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