Estado de Manutenção
O sol raiava. Depois de um café reforçado, eles foram para a moto. Rylan com sua espingarda de calibre doze enquanto Lena levava a pistola carregada. Com receio da falta de habilidade com a arma, ele conseguiu um coldre para ela.
Rylan colocou a chave na ignição, mas não deu partida.
— Está tudo bem? — perguntou Lena, confusa e amedrontada.
— Sim.
— Por que não deu partida?
— Você se lembra daquele restaurante riscado de azul?
— Claro.
— Caso sobrevivamos à visita ao hospital, gostaria de jantar lá?
Lena sorriu diante daquela atitude.
— Isso é um convite para um encontro? Muito inusitado para uma situação como essa.
— Já perdi muitos parceiros em situações assim, quero aproveitar melhor o tempo ao seu lado.
Apesar do medo, Lena achou carinhoso.
— Eu aceito o convite. Caso corra tudo bem, vamos ao restaurante.
— Próxima parada, hospital apocalíptico — disse dando partida na moto.
A luz era mais ameaçadora do que a escuridão, ela revelava o que a noite escondia, Lena pôde ver com mais clareza os sinais do caos. Pelo caminho, encontraram carros acidentados. Rylan sugeriu que não olhasse para os corpos, pois não poderiam fazer nada.
Aos poucos, a moto perdia velocidade. Rylan a desligou em um cruzamento próximo ao hospital.
— Tente manter a atenção ao redor. Se algo desesperador acontecer, corra para perto de mim. Lembrando, mantenha o silêncio para não atrair a atenção — disse ele.
Lena confirmou, balançando a cabeça com sinal positivo.
Na esquina que antecedia o hospital, Rylan empurrava a moto desligada para não fazer barulho. Deixou-a estacionada pronta para fuga e seguiram os últimos cinquenta metros a pé. Ele andava à frente com a doze na mão, Lena acompanhava seus passos olhando ao redor. Em um primeiro momento, não viram nada na entrada, mas um sinal que ele fez a colocou em alerta.
Ao aproximar-se, o parceiro cochichou: a ambulância pode estar contaminada.
Rylan invadiu o prédio ao lado. Emitindo sinais com a mão, indicava para que Lena o acompanhasse. Juntos, colocaram móveis perto do muro e pularam para o pátio do hospital.
Não houve sinais de que foram detectados, se moviam abaixados e com cautela, esgueirando entre os obstáculos até a porta dos fundos. Por sorte, ela estava aberta, ao empurrá-la, torciam para que não fizesse barulho. Ele se aproximou e cochichou outra vez: “Os pedidos estão no segundo andar, o elevador está fora de cogitação, vamos pela escada.”
Não encontraram nenhum androide pelo caminho, embora pudessem ouvi-los manuseando alguns equipamentos como macas ou utensílios de limpeza. Lena achava assustador o fato de ouvi-los tão próximos. Controlando a própria respiração, sentia que seu coração sairia pela boca.
Hospitais nunca são prazerosos de se estar, mas aquela era sem dúvida a pior passagem por um deles. Os degraus cobravam uma atenção especial. Rylan continuou andando como um desarmador de bomba, até chegar ao segundo andar.
Faltava pouco, pensavam.
— Bom dia, Rylan, o que está fazendo no segundo andar? Como posso ajudá-lo? — perguntou uma androide feminina ao lado da porta que dava na escadaria.
Ambos ficaram paralisados esperando algum ruído no ambiente.
Com a ausência de qualquer outro som, eles olharam para o androide. Tinha aparência de metal com design feminino, um crachá com o número mil trezentos e dezoito.
— Doutora mil trezentos e dezoito, está sozinha no segundo andar?
— Sim, precisa de algo? Como posso ajudá-lo?
— Estado de manutenção.
Os olhos da doutora desligaram. Rylan aproximou-se de Lena e sussurrou enquanto apontava para uma porta: “Naquela sala.”
Dúvidas surgiram em sua cabeça, por que a androide obedeceu aos comandos dele? Apesar disso, seguiu na direção que ele apontou. Ao entrar, Lena percebeu estarem em uma sala de controle interno, utilizada para estocar medicamentos, macas, cadeiras de rodas, seringas, luvas, entre outros utensílios.
Rylan entregou a doze para Lena, tirou a mochila das costas e a usou como uma cesta de supermercado. Passava perto das estantes coletando os pedidos e preenchendo a mochila. Ao aproximar-se dela, ele sussurrou: “Pegue os medicamentos naquele armário.”
Devolveu a doze para ele e pegou a lista, com andar sorrateiro, foi até o móvel e começou a procurar pelos medicamentos. Com o término da coleta, ela fechou a porta do armário. Um androide os surpreendeu saindo de trás do móvel.
O humanoide estava a poucos palmos de Lena e segurava uma seringa em cada mão, a empunhava como se fossem punhais.
— Corre! — gritou Rylan.
Lena virou-se e um tiro de doze destruiu a cabeça do androide.
Com a mochila cheia, eles saíram correndo na direção das escadas, outros dois androides apareceram no corredor. Por sorte, não estavam entre eles e as escadas.
— Doutora mil trezentos e dezoito, despertar, não permita que nada venha atrás de nós.
Desceram as escadas correndo, o pavor os fez pular pelos degraus. Ouviram os androides destroçarem a doutora enquanto fugiam. Outro abriu a porta que dava ao primeiro andar e Rylan o destruiu com um tiro na cabeça assim que o viu.
Olharam e não encontraram mais nenhum deles no primeiro andar, correram para a porta pela qual entraram. Fora do edifício, arrastaram o que fosse possível e pularam o muro.
Sempre atento com a retaguarda, Rylan mantinha a arma em punho pronta para novos disparos. A cada passo, eles se sentiam mais aliviados e contentes com a mochila cheia de medicamentos. Aquele seria um avanço significativo para o grupo de Lena.
Ao saírem da casa, o medo dissolvia com a respiração, até ouvirem uma ambulância dar partida. O veículo acelerou na direção deles, o pavor voltou tão rápido quanto um piscar de olhos, eles corriam na direção da moto. O automóvel abria passagem trombando nos carros abandonados pelo caminho.
— Corre, Lena! Leve a mochila! — gritou Rylan indo para a outra direção.
Confusa e amedrontada, Lena correu para a moto. A ambulância acelerou no rumo em que Rylan fugia. Tiros e roncos de motor se tornaram constantes, até o momento em que o barulho de freio antecipou o som de uma colisão.
O silêncio que seguiu era pleno, Lena não escutava nada além de sua própria respiração. Chegou na moto, olhou para trás e começou a chorar. Temeu pela vida do seu parceiro ao ver que a ambulância colidiu contra uma parede.
Ao ver Rylan levantar-se dos escombros, sentiu seu coração acelerar. Ele mancava, a calça jeans escura estava manchada de sangue.
— Vamos — disse Rylan aproximando-se.
— O ferimento é grave?
— Não se preocupe, foi superficial.
Parecia pior do que ele disse, mas Lena decidiu não argumentar.
— Consegue dirigir?
— Espero que sim.
Apesar de preocupada, Lena subiu na garupa e partiram.
Sumário
Androide zumbi
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