Doce Lar
A moto seguia para um futuro incerto pela rodovia, Lena não conseguia pensar em nada que não fosse os horrores que viveu. Ela não ligava mais para as cenas de caos à sua volta, era como se sua mente desligasse, permitindo que a vida fosse possível.
Depois de um tempo, a moto chegou ao seu destino. A primeira base era uma mansão, afastada de tudo e longe de qualquer vizinho. Após sair da rodovia, Rylan seguiu por uma estrada até parar de frente a um portão.
— Bem-vinda à primeira base, todos os eletrônicos foram desativados.
Lena desceu da garupa ainda em prantos, ela não prestava atenção em nada. Rylan foi até o portão e abriu com as próprias mãos. O metal rangeu enquanto era empurrado.
— Apesar de ser uma mansão do século XIX, não espere conforto.
O jardim estava cheio de folhas e sujeiras trazidas pelo vento, algumas embalagens e sacolas. No centro do jardim, uma piscina, a água verde e densa não permitia que vissem o fundo.
Andar ali era desafiador: mato, pedras e buracos ditavam o ritmo da caminhada. Rylan empurrava a moto pelo ladrilho do jardim.
— Vou ligar o poço, acredito que a água continue potável — disse Rylan.
Desolada, Lena acompanhava o anfitrião.
A porta tinha três metros de altura. Rylan se abaixou diante dela e retirou uma chave debaixo do tapete, usou-a para destrancá-la.
Ao entrar, Lena observou que o pé direito era alto, isso dava ao cômodo uma sensação de grandiosidade. Janelas permitiam que a luz entrasse e iluminasse a sala. O que mais se destacava era a poeira, muitas telas, tapetes e cortinas. Os móveis estavam envelopados com plástico, Lena nunca viu nada parecido. Rylan pegou um estilete em uma gaveta e foi para perto dela.
— Quando eu saí, a minha intenção era manter essa base funcional para caso eu precisasse voltar.
Com a lâmina do estilete, cortou o plástico que cobria uma poltrona.
— Sente-se aqui enquanto ajeito as coisas.
Ele observou que o brilho dos olhos dela se apagou.
Após acomodá-la na sala, andou de um cômodo para o outro. Pelo som de talheres, Lena deduzia que ele preparava algo para comer. Ela não tinha ânimo nem para verificar.
Rylan subiu pelas escadas, depois de um tempo, a rede elétrica ativou. Lena viu algumas luzes ligarem.
— É maravilhoso que essa rede elétrica ainda funcione. Sempre achei absurdo um sistema próprio com geradores e placas solares, nunca imaginei o quanto seriam úteis em situações como essa. Vou preparar o jantar, espero que goste de comida enlatada, é o que tem para hoje — disse ele após descer as escadas.
— Tudo bem, eu gosto de comida enlatada.
Ao ouvir a voz dela, Rylan se sentiu aliviado. O silêncio, justificado desde a tragédia no alojamento, estava o enlouquecendo.
Ele foi até a cozinha, aos poucos a noite se aproximou. A luz elétrica iluminava a sala enquanto Lena se consolava entre as próprias lágrimas. Rylan trouxe duas cadeiras, uma mesa, dois pratos e duas latas de refrigerante.
— Está servido, espero que goste, mas já adianto que nada é apetitoso.
Lena se levantou da poltrona e andou até a cadeira, sentou-se após posicioná-la melhor.
— Um banquete digno de uma mansão — disse Lena.
— Um brinde? — disse Rylan segurando a lata no ar.
Lena segurava a lata no ar, mas não brindou.
— Hoje, não. — A lágrima silenciosa deslizou por seu rosto.
— Entendo.
Comeram em silêncio, sem mais nenhuma tentativa de interação amistosa. Apesar de todos os reveses, ela compreendia que o fato de ter comida era algo a ser comemorado.
— Você conhece toda a mansão?
— Sim. Quando cheguei aqui, a primeira tarefa foi vasculhar todos os cômodos. Destruí e desativei tudo o que fosse automático. Desde então, eu não ando por toda a mansão, fico mais aqui nesse saguão, próximo a tudo que preciso, como a cozinha. No andar de cima ficam os quartos. Como não sabia quantas pessoas traria aqui, tenho muitos disponíveis.
— Para onde vão essas portas?
— No total, temos cinco portas. Aquela atrás da escada leva para a cozinha e despensa, duas vão para corredores, uma delas está trancada. As duas mais próximas da entrada são salas, em uma ficam meus utensílios e a outra está fechada como a maioria. Até hoje, eu não sei por que esse pessoal de classe alta precisa de tanto espaço.
Rylan gostaria de continuar a conversa, mas sua parceira não falou mais nada. Com o término das palavras, só o tilintar dos talheres provoca ruídos até o fim da refeição.
— Vou levar os pratos para a pia, amanhã os lavo. Vamos para os quartos? — questionou Rylan.
— Vamos.
Após organizar a mesa, eles foram para o segundo andar. Ao chegarem, Lena estranhou uma escada de metal que subia para além do teto.
— Gostou? Coloquei essa escada para ter acesso às placas e à caixa de água — disse Rylan ao notar a estranheza dela.
— Prático — disse Lena, olhou para o corredor à frente e perguntou. — Essas portas vão para os quartos?
— Sim, a primeira é do meu, pode escolher o seu. Os objetos estão envelopados com plástico, tem um estilete na gaveta ao lado da cama.
— Obrigada — disse ela.
— A porta do meu quarto ficará destrancada. Caso precise de qualquer coisa, não exite em chamar.
Lena andava para uma das portas, ela exalava a falta de esperança.
Sumário
Androide zumbi
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