
“Conto com violência moderada e temas religiosos. Recomenda-se para maiores de 16 anos.”
— Matará dois, mas um terceiro findará sua vida.
O cavaleiro, que ajustava a montaria, cerrou os olhos ao ouvir aquelas palavras. Virou-se para o lado, tentou identificar a pessoa que pronunciara aquela profecia.
— E quem é o senhor?
— Tenho vários nomes, mas pode me chamar de Fim.
— Como queira, Fim. Gostaria de conversar com o senhor, mas preciso continuar, minha companhia está muito longe nesse momento.
— Muito longe, Victor Kraster. Sinto lhe dizer, mas perecerá antes de reencontrar seus companheiros.
Após mencionar seu nome, o estranho sujeito roubou a atenção. Olhando-o melhor, Victor notou algumas peculiaridades atípicas, pele branca como uma nuvem e magro como um animal faminto.
— Como sabe meu nome? É um mouro tentando me dissuadir a lutar? — questionou Victor, segurou o cabo da espada pronto para desembainhá-la.
— Sei o nome de todos e não, nunca tive um senhor a quem orar.
Ambos se encaravam, era nítido que Fim não representava ameaça. Pensando em evitar perder tempo com aquele imprevisto, o cavaleiro esquivou-se do conflito.
— Julgando sua aparência, acredito que precise de ajuda. Procure o padre Francisco na igreja da cidade, tenho uma Guerra Santa para lutar — disse Victor, fazendo pouco caso de Fim.
Sem perder tempo, o cavalheiro soltou o punho da espada e fez o sinal da cruz. O movimento dos lábios revelava orações silenciosas enquanto fazia o sinal sagrado.
— Não se aproxime de mim, e nem da minha montaria — esbravejou o cavaleiro.
Fim permaneceu imóveldesde o início da conversa. Incrédulo com a confissão do herege, o cavaleiro teve certeza de que o motivo da penúria daquele sujeito estava ligado à falta de fé proferida pelo próprio.
— Tem algo que gostaria de saber, Victor. O que leva uma pessoa a matar outra? — perguntou Fim.
— Considere que o chamado do Papa Eugenio III à guerra Santa acabou de salvar a sua vida, eu tenho assuntos mais relevantes que você.
— Considerou me matar por questionar?
— Aquele que crê não possui dúvida, você saberia se confiasse no Senhor.
Contrariado, o cavaleiro finalizou os preparativos da montaria. Fim observava enquanto ele organizava as bagagens e as provisões.
— Por que está me olhando? — perguntou o cavaleiro.
— Curiosidade.
— Curiosidade com o quê?
— Gostaria de compreender o que leva uma pessoa a matar outra.
— O Papa é o caminho pelo qual meu Senhor envia suas mensagens, a salvação está em suas palavras e já adianto que qualquer blasfêmia será punida com a morte.
Victor olhou para Fim esperando uma resposta repugnante, mas o silêncio predominou.
Após montar, seguiu seu caminho. Embora o cavalo galopasse pela trilha com rapidez, Fim estava sempre a alguns metros de distância. O mais perturbador é que o cavalo estava exausto pelo esforço, mas Fim mantinha o mesmo ritmo sem demonstrar fraqueza.
Ele considerou que talvez a febre tivesse retornado, talvez parte do que acontecera naquele dia fosse uma alucinação. Sem saber se delirava ou não, parou no primeiro rio pelo caminho.
Ajoelhado na beira da água, Victor retirou o capacete e molhou o rosto. A presença perturbadora de Fim continuava a alguns passos de distância. Outro sinal da cruz e mais orações silenciosas.
— Fim, eu sei que não acredita, mas por que ele me deu febre enquanto clamava que fosse recuperar suas terras? Por que tenho devaneios com você, se o meu dever é lutar?
Fim o observava ajoelhado perante o rio. O cavaleiro se levantou com dificuldade, pegou as rédeas da montaria e partiu.
Por mais duro que fosse com o cavalo, sempre que olhava para trás, avistava aquele sujeito estranho. Sem conseguir entender a natureza daquele homem, Victor decidiu parar de cobrar de sua montaria que fugisse de algo que ele mesmo não sabia se era real.
Cavalgando em ritmo menos acelerado, Fim se aproximou. Naquele momento, Victor retirou o capacete e esfregou o rosto, olhou para aquela aberração e teve certeza de que não passava de um devaneio.
— Como pode, estou a cavalo e não importa o quão rápido esteja, eu não consigo me afastar de você. O mais inusitado é que você está andando, não está correndo, não está com a respiração ofegante nem demonstra cansaço, está apenas andando. Na mesma velocidade do cavalo… — dizia Victor, que parou de forma abrupta ao se dar conta da possibilidade de estar sozinho.
Silencioso, ele prosseguiu.
Ao cair da noite, escolheu um local para o repouso, uma fogueira foi acesa para o jantar e alguns víveres foram retirados da bagagem. Antes da refeição, mais orações, Fim observava.
— Você não come, você não senta, apenas anda e fala bobagens… — disse Victor.
— Por que vai matar essas pessoas?
— É a vontade do Senhor, a minha salvação depende disso.
— Seu Senhor te deixou adoecer causando uma febre que impossibilitou que você fosse, talvez ele não queira sua presença.
— Calado! Mais uma palavra e arranco suas vísceras para fora do corpo! — ameaçou Victor.
Silêncio perdurou enquanto eles trocavam olhares.
— Sei quem é você! Você é ele em pessoa! Meus atos estão com aquele que garante a minha salvação e você não mudará meu destino — disse Victor, mais sinal da cruz e orações.
Fim olhava, tentando entender.
Após o cavaleiro se acalmar, terminou a refeição, apagou a fogueira e preparou-se para dormir.
— Quero deixar claro que tenho o sono leve, caso me acorde, vou matá-lo sem pensar duas vezes.
Fim continuava em pé, aquilo era sinal suficiente para que Victor acreditasse que era uma ilusão. Nenhum humano poderia fazer aquilo, e caso fosse sobrenatural, o cavaleiro se sentia protegido por suas preces.
Durante a noite, alguns homens apareceram no acampamento. Ao verem o cavalo preso a uma árvore, eles começaram a vistoriar o lugar.
— Esse sinal de fogueira é recente, ele continua por aqui — cochichou um deles.
Com um ataque surpresa pelas costas, Victor perfurou a parte inferior do tronco de um deles, o outro sacou um punhal para atacá-lo. A espada prendeu no corpo e foi necessário que o cavaleiro usasse o pé para empurrá-lo enquanto a puxava com as mãos.
Nesse pequeno espaço de tempo, ele recebeu duas punhaladas, mas a cota de malha o protegeu. Com a espada livre, Victor conseguiu acertar um dos braços de seu agressor. O segundo golpe pareceu uma martelada usando a lâmina da espada, o metal fatiou parte do corpo do inimigo. Sangue jorrava.
Um terceiro atacou o cavaleiro pelas costas, também com punhal, acertou uma fresta da malha de aço e cortou o pescoço dele. Durante alguns instantes, Victor usou a espada em vão, atacou a esmo sem acertar ninguém. Até que a lesão cobrou seu preço, fazendo com que a espada ficasse pesada demais para continuar os ataques aleatórios.
Victor caiu de joelhos, Fim olhando para ele como o de costume. O cavaleiro não entendia o que aquelas pessoas estavam dizendo, mas reconheceu serem mouros. Entre gritos e soluços de choro, mais pessoas se aglomeravam ali. Victor não conseguia contar quantos eram, mas percebeu que alguns atravessavam Fim sem esbarrar ou percebê-lo.
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